quinta-feira, 13 de junho de 2013

[FICÇÃO] O Caçador de Pesadelos


Nem todos sabem sobre a verdeira natureza dos pesadelos. Alguns dizem que trazem seus medos mais profundos, outros acreditam que seus olhos negros e perdidos nas sombras podem perfurar sua mente com os mais tenebrosos pensamentos. Quantos já faleceram diante do horror, e quantos se tornaram indiferentes. Frios. Tenebrosos. A escuridão mergulha a mente no desespero, sem as cores que nos cria sensações, apenas no preto e branco da loucura. Filhos de uma origem bizarra.

Sua pele é negra como o carvão, em tons cinza e branco sujo; seus dedos são finos e afiados, como garras de uma fera bestial; sua estrutura corporal é variada e definida pela origem familiar de sua vida medonha; seus olhos, sempre, são branco e sem pupila. Fintar essas criaturas é flertar com seus piores medos, pois com uma simples piscadela te mergulham em alucinações e temores escondidos no fundo de sua mente. O destino de seu corpo é variado: desde ser invadido por um pesadelo e rendido pelo medo, até tortura carnal com estacas e cortes cirúrgicos.

Levantam das poças de lama e sangue de uma guerra perdida, caminham pelos campos amarelados, pois a grama que estivera lá fora queimada, assim como todos os demais. O alimento destas bestas é o pavor, o desespero, enquanto tivermos medo suas entranhas estarão fartas do que lhe convém. Vísceras, órgãos espalhados pelo campo, ossadas, cães selvagens e hienas caçando alimento na carne podre dos falecidos combatentes, e sombras negras pisando suave por entre a morte. Elas olham para o mar, as centenas de navios despedaçados, as chamas crepitando ao longe, a desgraça de uma fuga desesperada qual resultou no fim de muitos - mais do que a quantidade ínfima de casas da cidade mais próxima.

Um homem se arrasta, com seu estômago perfurado em três pontos. Sobreviver é um distante sonho sem lugar no mar de mortos. Seus dedos agarram cada amontoado de grama e barro que consegue encontrar, forçando suas últimas energia para alcançar um muro despedaçado. Outro corpo deleita ao lado da construção, completamente desolado e visível sete perfurações em suas costas, onde o sangue já estava seco e o odor podre subia às narinas. Pelos últimos esforços o soldado consegue erguer o corpo e recostar no muro arruinado, esgueirar seus dedos finos, frios e trêmulos, até o bolso da calça do soldado esviscerado  e retirar uma pequena caixinha de madeira. Dentro havia alguns fumos feitos de tabaco e alguma outra erva, misturados e enrolados em um papelote, pronto para consumo. Sacou de seu bolso um isqueiro antigo, bonito, com tracejados de dragão brilhando em dourado. Ascendeu o fumo e tragou fundo, sentindo a fumaça penetrar no que restava de seu corpo.

Detrás do muro surgiu uma das criaturas que caminhavam naquele descampado, qual reagiu a movimentação mínima do soldado. Seus finos dedos afiados desceram até o peitoral do homem, que assustado tentou se debater, deixando sua quarta e quinta tragada escapar pelo nariz. A fumaça enevoou sua visão, a criatura ergueu seu corpo até certa parte do muro, forçou a costela batendo duas ou três vezes na parte superior, destroçada. O soldado tentou gritar de dor, mas estava ferido demais para se quer pensar em reagir à algo. Viu com olhos apavorados o ser bizarro, de faceta escura, olhos brancos e dentes afiados abaixo de seu queixo. O carrasco esgueirou os braços cumpridos pelo lado, quebrou duas baionetas das armas caídas,  buscou outras duas e retornou à sua vítima, fincando as quatro lanças afiadas em cada parte do corpo do soldado:  uma em cada braço, prendendo firmemente a carcaça humana ao muro; duas atravessavam o peitoral, saindo pelo flanco e pelo abdome. O suspiro derradeiro do homem foi um último soltar da fumaça que não saia apenas por sua garganta, como pelo furo de seu pulmão.

No silêncio, sem gemidos e sem esperança, o soldado morreu.

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